quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ESPÍRITAS OU ESPIRITOLOS ?

Já faz algum tempo, uma antiga vizinha, sem papas na língua, me vendo sempre às voltas com atividades na Casa Espírita, um dia não resistiu e em meio a
uma conversa acabou “soltando” que eu era “muito carola!” Levando a
coisa na farra, tentei argumentar: – “Mas eu sou espírita e não
católico…” Ela aí não titubeou: “Então você é espiriteiro ! " “Ou
espiritolo, pensei eu !”
O pitoresco virou piada, mas trouxe à tona uma séria questão. Até onde nós, espíritas, estaremos descambando para o igrejismo e a
superficialidade?
Temos visto Grupos tão obcecados com assiduidade e pontualidade, tão cheios de regras, critérios, exigências, uns querendo transformar o Espiritismo
em religão, e uma intolerância tal, que mais parecem a velha e
inquisitorial igreja romana da idade média de passado escabroso.
Onde foi que perdemos o rumo da fraternidade? Que paramentos invisíveis ainda nos fazem oscilar entre a pseudo-superioridade dos sacerdotes e a
submissão dos beatos?
Em um dos costumeiros papos fraternos com minha amiga Brigitte Monfort, uma vez questionei: “Por que será que os espíritas se digladiam tanto por
cargos, até mesmo naqueles grupos minúsculos que ficam lá onde Judas
perdeu as botas?…” Bem-humorada, como sempre, ela me respondeu com uma
risadinha marota: “A briga é pelo poder sobre as almas,meu caro. Muitos
espíritas ainda se alimentam da autoridade clerical (que torturou muitos
irmãos por terem outra linha de pensamento) que tinham, quando nas
fileiras do catolicismo. O poder vicia.”
Para esse autoritarismo rançoso, o que não faltam são defesas equivocadas. Afinal, Emmanuel recomendou: “Disciplina, disciplina, disciplina.” Foi o
bastante para que instruções superiores, aplicadas a um contexto
específico, se tornassem o jargão justificador da inflexibilidade fria
que campeia em nosso meio e que vêm transformando nossas instituições –
destinadas a ser escolas do amor – em verdadeiros quartéis de controle e
enquadramento. E quantos exageros em nome da disciplina…
Certa vez, uma palestrante habitualmente pontual, chegou à nossa reunião pública em cima da hora. Estava mortificada. Por mais que tentássemos
deixá-la à vontade, repetia sem parar que “a espiritualidade tem horário
a cumprir.” Naquela noite o seu desempenho, obviamente, não foi dos
melhores, porém, é perfeitamente compreensível a reação da companheira.
Ocorre que, se os dirigentes espirituais levam em conta que estamos na
matéria, sujeitos a limitações e imprevistos comuns à vida terrena, os
dirigentes encarnados, em grande maioria, não o fazem. Numa afirmação de
poder, até mesmo inconsciente, sobretudo com relação aos médiuns,
insistem em generalizar, e saem por aí a prodigalizar suspensões ou
prescrições de inumeráveis passes e palestras doutrinárias, até que o
faltoso ou atrasadinho, supostamente reequilibrado, mas no fundo,
punido, possa então reconquistar a permissão de voltar às atividades…
Haja penitência!
Façamos o dever de casa. No Livro dos Médiuns, cap.XXIX, top. 333, ao tratar das reuniões espíritas, o codificador é muito claro: “Se bem que os
espíritos prefiram a regularidade, os verdadeiramente superiores não são
meticulosos a este ponto. A exigência de uma pontualidade rigorosa é um
sinal de inferioridade, como tudo o que é pueril.”
É preocupante, também, a falta de naturalidade com que as pessoas têm se comportado no ambiente espírita. Observa-se uma despersonalização e um
formalismo alarmantes, em lugar da camaradagem espontânea que deveria
existir entre irmãos, sem falar na falta de estudo da doutrina. Não
raro, rir e brincar inter-reuniões parece ser, implícita ou
explicitamente, proibido: “Quebra a vibração.” Cada vez mais, os
cumprimentos espontâneos e afetivos têm dado lugar a frases feitas,
piegas e que soam muito falso. Na fala, como na escrita, temos
substituído expressões carinhosas e simples do cotidiano por uma
linguagem impessoal, “santificada”, “igrejista” e obsoleta, incompatível
com os novos tempos. Ah, as palavras ensaiadas… Os gestos contidos…
Ladainhas do passado, ainda tão presentes, a nos distrair de nós mesmos…
Nas Casas Espíritas, dirigentes preocupados apenas em dirigir e coordenadores tão somente concentrados em coordenar, esquecem o
essencial: AMAR. Casas se agigantam e pessoas viram número, em ambientes
tão impecáveis quanto frios. Alguém notou a tristeza daquele
companheiro ou a ausência daquele outro? E o medo se abraçarem !
Ocupados em crescer, no quantitativo, ignoramos Kardec a recomendar
grupos pequenos e o alerta do próprio Chico, que já dizia: “Em Casa que
muito cresce o amor desaparece.”
Perdidos numa burocracia sem sentido, senhas e formulários vão aos poucos tomando o lugar do coração e transformando nossos atendimentos fraternos
em patética mistura de clínica psicológica e confessionário, onde o
indivíduo precisa seguir à risca as etapas cronometradas do tratamento
para obter “alta” ou “absolvição.” Assim, desorientados orientadores, em
tom grave e superior, seguem dando receitas iguais para problemas
diferentes. Alguém sofreu uma perda e busca notícias do ente querido
desencarnado? Que vá “baixar” noutro Centro, porque nos mais ortodoxos
ouvirá rispidamente que o telefone só toca “de lá pra cá” e fim. Quantas
vezes se ouve essa tolice (dos espiritolos) ! A alegação é que a
mediunidade não está a serviço de problemas “domésticos” e sim de coisas
mais sérias. Valei-me Chico Xavier! Quanta saudade da mediunidade a
serviço do amor, do consolo aos desesperados de toda a sorte…Dá pra
imaginar quão inferiores talvez trevosos são os espíritos que frequentam
essas casas !
Nas reuniões públicas, companheiros carrancudos às portas das cabines de passe chamam com voz cavernosa: “Os próximos!” E aquele que está indo
pela primeira vez fica a imaginar que ritual terrível deve acontecer
naquela salinha escura onde todos entram cabisbaixos, como bois para o
matadouro. Diretores severos, após comoventes preces, olham por baixo
dos óculos com olhar de censura para a mãe de alguma criança que chora,
ou pedem que se retire. Médiuns coreografados sincronizam movimentos
como se fossem clones uns dos outros. Qualquer semelhança com
farisaísmo, lamentavelmente, não será mera coincidência?
Na Evangelização, criança que chega atrasada volta; se falta muito é cortada, mesmo aquela que mais precisa da orientação e do pão. A mãe,
senhora simplória assistida pelo Grupo e que muitas vezes sequer tem o
dinheiro da passagem, ouve um duro sermão de alguém que ignora a sua
difícil realidade. Normas são normas. Quem negligenciar a freqüência dos
filhos não tem direito à cesta básica. O tom é incisivo. Muitos dirão
que é necessário usar estratégias para evangelizar “os nossos irmãos que
mais precisam”. Talvez tenham razão… Parece que só os espíritas já não
precisam mais do Evangelho…
Navegantes desatentos às ciladas da superfície, não percebemos o risco de naufrágio iminente. Parecemos surdos à conclamação do Espírito de
Verdade: “Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento” E,
indiferentes à terna advertência de José, Espírito Protetor, a nos
lembrar que “a indulgência atrai, acalma, reergue, ao passo que o rigor
desencoraja, afasta e irrita.”, até quando continuaremos atraídos pelo
canto da sereia?
Há que se ter humildade para repensar nossas práticas doutrinárias, reconhecer equívocos, resgatar a doutrina simples e libertária de Jesus.
Há que se ter coragem para mudar, para substituir a frieza dogmática
que tem nos engessado pela convivência fraterna, calorosa e solidária
que nos identificará, de fato, como cristãos redivivos.
Espíritas ou “espiritolos ”… O que temos sido? O que realmente queremos ser? Cada um se perceba e se responda.
Enviado por Jorge Luiz Amaral
----------------------------------

Nenhum comentário:

Postar um comentário