Debruço-me bastante sobre esse tema, por entender que esta relação é a célula principal da formação de um terreiro. Em um terreiro geralmente temos o dirigente (Pai/Mãe-de-Santo), os filhos-de-santo e a assistência (freqüentadores habituais ou não). O dirigente é quem se dispôs a comandar um templo religioso, seja por missão, por dar continuidade a uma hereditariedade, por desejar contribuir desta forma com a religião ou mesmo por gratidão ao mundo espiritual umbandista. Os filhos-de-santo são todos aqueles que de uma forma ou de outra, seja qual for o motivo que os levaram a bater na porta de um templo umbandista, resolveram abraçar a fé de boa-vontade e se identificaram com a religião, com a casa que freqüenta e com o dirigente da mesma. Os freqüentadores fazem parte da massa, que procuram os terreiros umbandistas por curiosidade, a busca da solução de seus problemas etc.
Pais/Mães-de-Santo e seus respectivos filhos-de-santo formam uma célula vibratória de suma importância para o andamento dos trabalhos espirituais de um terreiro. Juntos eles formam o que se chama de egrégora espiritual (Egrégora é a somatória de energias mentais e espirituais, criadas por grupos ou agrupamentos, que se concentram em virtude da força vibratória gerada ser harmônica.). Portanto, egrégora em um terreiro é a somatória das energias existentes que harmonizam e possibilitam, que os trabalhos de uma casa alcancem os resultados esperados. A esta célula primordial une-se, é claro e óbvio, o aporte do mundo espiritual que faz as coisas acontecerem. Tudo isso com vistas ao atendimento fraterno dos freqüentadores e dos próprios filhos-de-santo.
Com isso, não estou afirmando que para um terreiro existir é primordial a existência de filhos-de-santo. Em minha opinião, podem e, com certeza, devem existir, Pais/Mães-de-Santo com casa aberta sem filiação. Vulgarmente, pelos ignorantes e incultos, são esses Pais/Mães-de-Santo apelidados de "estéreis", por não terem formado ainda uma família espiritual. Entretanto, para cumprir o objetivo da Umbanda, a prática do bem, do amor e da caridade, a assistência espiritual aos que batem na porta de uma casa umbandista, não se necessita ter de imediato filhos-de-santo. A existência incondicional e/ou quantidade de filhos, que um Pai/Mãe-de-Santo tem em seu terreiro, não é o fator determinante para se conseguir a qualidade dos trabalhos espirituais realizados e propiciar os resultados a serem alcançados pelos beneficiados. Quantos Pais/Mães-de-Santo iniciam sua caminhada em seus terreiros sem possuírem filhos-de-santo. Acontece muito de um grupo de umbandistas se reunirem e montarem um terreiro, começarem a realizar os ritos e o atendimento ao público e essa casa espiritual ainda não ter nenhum filho-de-santo.
Eis o motivo que me leva a adotar os termos Sacerdote/Sacerdotisa, no lugar de Pais/Mães-de-Santo e discípulos ou adeptos em vez de filhos-de-santo.
Os termos Sacerdote e Sacerdotisa ficam mais bem adequados à missão nobre, a qual todo dirigente de terreiro deve estar comprometido. Também fornecem pleno significado para quem deve exercer uma abrangência, que vai além das quatro paredes do seu terreiro e do círculo interno dos seus discípulos, atingindo a coletividade satélite e por fim a sociedade como todo.
No meu entendimento, a principal preocupação dos trabalhos espirituais em um terreiro de Umbanda deve ser com o povo da assistência, ou seja, aqueles que, nos dias de ritos, procuram a casa espiritual na esperança de resolverem os seus problemas, curarem as suas enfermidades, encontrarem a orientação, ou simplesmente para tomar um passe e conversarem com uma entidade. Discípulos ou adeptos é uma conseqüência natural, surgem espontaneamente, sem pressão e forçassão de barra, como se diz.
A meu ver, existem casos no movimento umbandista, que são uma inversão desses valores. Ao se trabalhar prioritariamente a necessidade de angariar filhos-de-santo, os Pais/Mães-de-Santo tendem a perder o foco no atendimento fraterno, na assistência espiritual, na caridade da orientação, da palavra amiga aos visitantes e freqüentadores assíduos ou não de seus terreiros.
Mais uma vez, não fazendo de nossas opiniões uma regra, não podemos deixar de constatar que essas situações de exceção, tem acontecido com freqüência em nosso meio religioso.
Invariavelmente, encontramos terreiros formados exclusivamente por seus filhos-de-santo, com pouca ou sem nenhuma presença de assistência, ou com até uma presença relevante de freqüentadores, mas que apenas assistem os trabalhos, como algo que quebra a rotina do dia-a-dia, não tendo a oportunidade de interagir, de serem atendidos ou pelo menos orientados ou estimulados a fazê-lo. Nesses casos, os ritos são voltados para uso fruto dos filhos-de-santo. A assistência fica a parte, é adereço, acessório, mais platéia que consulentes. (Leia artigo noblog intitulado: "Umbanda não é um show!").Quadros como esses, se tornam realidade na vida de um terreiro por alguns motivos, me atrevo a identificar dois deles para ficar no exemplo:
1) Consulta particular. Desde que se institucionalizou a consulta particular como meio para se obter renda monetária, em outras palavras ganhar dinheiro, que nada mais pode ser resolvido nos dias dos ritos. Os trabalhos dos médiuns da casa e suas entidades ficam restritos a passes, a uma conversa preliminar e todos os casos que mereçam atenção (expectativa de se render $$$$) devem ser encaminhados para o Pai/Mãe-de-Santo através de uma consulta particular.
2) Falta de doutrina. Não existem orientações públicas, palestras, explanações coletivas, transmissão de conhecimento, ensinamentos etc. A pessoa entra e sai do terreiro apenas com a lembrança do que assistiu e mais nada. Se gostar do que viu volta, senão fica por isso mesmo.
Na falta de atenção à assistência, temos uma centralização no filho-de-santo. Essa centralização, quando de forma exacerbada imputa em uma relação de posse.
Ao se autodenominarem Pais/Mães-de-Santo existem aqueles que se relacionam com seus filhos-de-santo impondo um posicionamento de propriedade. O filho-de-santo deixa de ser um tutelado, um orientado e passa a ser um objeto do bel prazer do Pai/Mãe-de-Santo. O filho-de-santo pertencendo ao Pai/Mãe-de-Santo, não pode pensar e raciocinar por conta própria. Não pode conhecer a Umbanda, como visitar outros terreiros, sem autorização ou acompanhado de seu dono, às vezes não pode nem entrar em contato com outro irmão-de-santo sem o conhecimento e aprovação de seu Pai/Mãe-de-Santo, que antes deve ser inteirado do assunto e da necessidade deste contato. O filho-de-santo deve fidelidade canina ao seu Pai/Mãe-de-Santo, jamais questionando nenhuma atitude, nem tão pouco recusar as "verdades" que são lhe empurradas de goela abaixo. Ele sempre tem que ser um gerador de benefícios para seus Pai/Mães-de-Santo e ai, do coitado se assim não proceder religiosamente, me perdoe o trocadilho.
Existem dois tipos clássicos de relação de posse:
1) O Tronco.
Pais/Mães-de-Santo enxergam seus terreiros como uma grande senzala, com um tronco de açoitar escravos no centro e eles travestidos de feitores. Estamos falando de subjugação e dominação. Nesse tipo de relacionamento o Pai/Mãe-de-Santo chega às raias da intimidação, da humilhação pública e da agressão verbal e até física. O relacionamento tem como base o medo e o caráter imprevisível das ações e reações do Pai/Mãe-de-Santo. O filho-de-santo vive em permanente conflito, nunca sabendo como deve agir, já que reagir não pode. O dirigente que assume este tipo de postura mistura tudo. Sua entidade espiritual e ele são a mesma coisa, ou seja, o que ele tem vontade de dizer ou fazer com o filho-de-santo, para realizá-lo com maior propriedade e peso o faz incorporado com a entidade. Quando raramente percebe que extrapolou, que passou da conta no trato com o filho-de-santo, a diferença surge como num passe de mágica. Quem errou foi a entidade, ele (Pai/Mãe-de-Santo) é outra coisa e não tem nada haver com isso. Se forma um círculo vicioso. O Pai/Mãe-de-Santo vive a corrigir o que a sua entidade espiritual fez, ou a entidade espiritual vive tentando ajeitar o que o seu médium aprontou. No meio, o indefeso filho-de-santo. Uma relação de tapas e beijos. Dolorido, humilhante, constrangedor nos momentos de tapa e eufórico, sufocante e fascinante no instante do beijo. Freud explica e a psiquiatria tem um nome para isso, esquizofrenia-paranóica e relação sado-masoquista.
2) O Guarda-Roupa.
Pais/Mães-de-Santo enxergam seus terreiros como um grande guarda-roupa e seus filhos-de-santo como as roupas de seu uso particular. Enquanto são úteis usam, quando não possuem mais utilidade descartam ou como não gostam de perder, penduram no guarda-roupa para fazer número, pois nunca se sabe quando vai precisar novamente. Se aparece uma roupa nova então, as outras que estavam sendo as prediletas do momento são rapidamente encostadas, ou penduradas para dar lugar a novidade. Neste tipo de relacionamento Pais/Mães-de-Santo, são hábeis e sutis manipuladores. Possuem seus filhos na palma da mão, envolve-os com perfeição em um casulo que lhes bloqueia a vontade, lhes cegam e obstruem seus ouvidos, anulando seus sentidos de forma a que eles somente percebam e acreditem nas "verdades" que saem da boca dos seus genitocratas (Leia artigo no blog intitulado:"Desconstruindo o Despotismo na Umbanda - Parte 1"). Mais astuciosos que os Pais/Mães-de-Santo do primeiro exemplo (O Tronco), eles dividem seus filhos-de-santo em categorias:
Em ambos os casos, existem apenas uma única vítima em todos esses processos de relacionamentos citados, o filho-de-santo.
Travestidos de dirigentes de terreiros de Umbanda, o Tronco e o Guarda-Roupa, não dirigem uma casa espiritual e sim um gueto, um reduto para manifestação de seus desejos e vontades, explorar a fé alheia e garantir a manutenção de seu sustento até o fim das suas vidas. Não possuem família espiritual e sim filhos-de-santo explorados, exauridos em todos os sentidos e vilipendiados na sua fé, boa-vontade e consciência.
O Tronco e o Guarda-Roupa não formam, não institucionalizam e nem fornecem respaldo para sucessores em seus guetos. Como fazê-lo, se tudo o que existe é somente deles e de mais ninguém? Quem quiser dar continuidade que se vire. Também não incentivam os filhos-de-santo que chegam a condição de Pais/Mães-de-Santo a abrirem suas casas espirituais. Primeiro, porque não transmitem conhecimentos necessários para isso, já que tudo se for o caso deve ser feitos pelas suas próprias mãos e evidentemente bem cobrado. Segundo, não querem correr o risco de perderem filhos-de-santo para a nova casa, tem medo que o agora Pai/Mãe-de-Santo seja melhores que eles, ou pelo menos pratiquem a Umbanda, como deve ser praticada, visivelmente se contrapondo ao modo de agir de seus genitocratas. Terceiro, por que eles não querem ter prole de casa aberta, e sim patente dentro dos seus guetos para apresentar aos que freqüentam. A moda é ter uma corrente mediúnica lotada de Pais/Mães-de-Santo e não de simples filhos-de-santo. No fundo até ensinam o "pulo do gato" (bem remunerado, é claro), mas não ensinam o gato a pular. É o mesmo que vender o peixe, em vez de se ensinar a pescar.
Muitas vezes, esses "terreiros", começam a sua história bem intencionados, imbuídos de cumprir os objetivos da Umbanda. Com o passar do tempo o Pai/Mãe-de-Santo, se perde ao longo do caminho, desviando-se da rota e rendendo-se ao ganho fácil, ao culto da personalidade e a maravilha de si mesmos.
Isto, não é, foi e nunca será Umbanda! Infelizmente, são armadilhas bem preparadas para os menos avisados, os ingênuos, os de boa-fé, os inocentes, os sensíveis ao sobrenatural, ao maravilhoso etc.
A Umbanda repudia esses guetos! Essa escória nada contribui para o movimento umbandista e apenas ajudam a confundir os que se aproximam, criam uma percepção errônea da religião, denigrem a imagem da Umbanda perante a mídia e afastam, decepcionam e maltratam os verdadeiros filhos-de-fé.
Graças à Zambi, milhares de terreiros espalhados em todo o Brasil são exatamente o oposto disto, pois esses terreiros, casas espirituais, choupanas, tendas, centros, templos cumprem de modo diuturno (prolongado) os objetivos de nossa religião. Possuem nas suas direções, Sacerdotes e Sacerdotisas, que dignificam o bom nome da Umbanda. Têm em seus quadros Discípulos e Adeptos, bem orientados, conscientes de seu papel no movimento umbandista e preparados para contribuir relevantemente com a coletividade que o cerca e a sociedade de forma em geral.
Nesses locais o tipo de relacionamento que existe entre Sacerdote/Sacerdotisa e seus Discípulos/Adeptos é exatamente o único válido, o que chamamos de Bússola.
O terreiro é uma imensa bússola em que os Discípulos/Adeptos representam os diversos pontos cardeais, harmonizados pelo magnetismo da fé, da energia espiritual, do amor, da prática do bem, da caridade e da busca incansável de melhorar-se individual e coletivamente com propósitos de evoluir. Nesses locais existe apenas uma única rota (agulha) que aponta para o Norte, ou seja, os objetivos e planos traçados pela Corrente Astral Superior de Umbanda.
Nesse tipo de relacionamento o Sacerdote/Sacerdotisa, se posiciona naturalmente no Norte, pois eles são os exemplos, os modelos a serem seguidos. As suas experiências e vivências devem servir de ensinamentos e orientação. Existe a transmissão de conhecimento, pois estes sabem de seus papéis de facilitadores para que os Discípulos/Adeptos possam evoluir espiritualmente.
Sacerdotes/Sacerdotisas plenamente conscientes das responsabilidades e deveres com seus tutelados. Inexiste o sentimento de posse, pois sabem que estão em missão e todo e qualquer desvio lhe será cobrado, que o resultado alcançado por cada discípulo/adepto será computado devidamente como vitória ou fracasso seu, pessoal.
Sacerdotes/Sacerdotisas que querem a continuidade de suas casas espirituais e para isso preparam devidamente os seus sucessores, para que ao desencarnarem, o que foi construído não se perca e se desvie do caminho.
Sacerdotes/Sacerdotisas que fomentam o incentivo a abertura de casas espirituais pelos seus discípulos/adeptos, desejando assim a multiplicação dos pontos de trabalho umbandista, contribuindo para abrangência da religião e aumentado a oportunidade de contato, com o mundo espiritual, para aqueles que necessitam e precisam de ajuda.
Sacerdotes/Sacerdotisas que pensam na Umbanda, que vivem para a Umbanda e não dela.
Dirigentes espirituais que não se preocupam com quantidade, mas sim com a qualidade de seus discípulos/adeptos e com o resultado benéfico de seus trabalhos espirituais.
Sim, na Umbanda existem esses valorosos libertadores de consciências, esses formadores morais e éticos, esses colaboradores para evolução espiritual, esses condutores de alma.
Sacerdotes/Sacerdotisas, nem sempre reconhecidos pelos seus pares, nem famosos na coletividade ou na sociedade em que estão inseridos, que podem possuir grandiosos templos de Umbanda, ou apenas um quartinho, batendo a sua macumba em uma Choupana de terra batida, ou no piso de cimento cru no fundo de um quintal.
Sacerdotes/Sacerdotisas que podem pertencer a uma tradição ou escola afamada em nosso meio, ou praticar o que os detratores procuram menosprezar denominando de "catimbozinho atrasado" (sic).
Não importa, se o mundo espiritual se faz presente, se os objetivos da Umbanda são vivenciados, se a prática do bem, do amor e da caridade existem, se assistência espiritual e fraterna norteia os trabalhos realizados, estamos diante de Sacerdotes/Sacerdotisas de relevância espiritual e que possuem o crédito da espiritualidade para conduzir os seus terreiros.
Alerta, irmão umbandista!
Como está sendo conduzido o relacionamento na sua casa espiritual?
Você está se relacionando com o Tronco, o Guarda-Roupa ou a Bússola?
Pense nisto!
Em tempo: O uso diferenciado para os significados dos termos Pais/Mães de Santo e Filhos-de-Santo em contraponto com os de Sacerdotes/Sacerdotisas e Discípulos/Adeptos, nesse artigo, foi apenas didático para caracterizar e se referir a um posicionamento, a diferenciar comportamentos e o espírito de cada um dos exemplos citados o Tronco, o Guarda-Roupa e a Bússola. Não propugno a mudança de terminologia. Para mim o importante é que Pais/Mães-de-Santo e filhos-de-santo se encontrem na situação descrita como Bússola.
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