Que calor cobria suas vestes, mas forte era sua reza
Com um terço na mão debruçava na cocheira
Joelhos no chão saúdam Oxum na cachoeira
Ventou forte crianças correram na direção da mata
Alimentou-se da comida que sobrada da mesa farta
Mas ainda não escureceu, dia claro e noite de breu
Cobertor rasgado e cama de palha do milho que o gado comeu
Corpo forte e marrom como a lama, olhos brancos e boca vermelha
Roupa branca, cachimbo na mão e alimento da ordenha
Café amargo, palha para o fumo, e conga para oração
Seu canto é sua casa, e seu crucifixo feito do galho de açafrão
Dentes brancos, e pés rachados, cabelos brancos reluz ao sol do verão
Bonito negro de dia e a noite reluz a luz do lampião,
Bom na lida, mas cauteloso com a ferramenta, corta a cana pela raiz
Bom dia meu sinhô,
Bom dia querido Pai João.
Que a Divina Luz esteja entre nós
Emidio de Ogum
UMBANDA PRIMITIVA
Na música, tivemos vários artistas, dos quais destaco Ronnie Von e Clara Nunes, que gravaram músicas inspiradas em canções de Terreiro, quando não eram os próprio pontos de Raiz que ganhavam novos arranjos.
No que pese algumas históricas contendas doutrinárias, em especial envolvendo Matta e Silva e Tancredo da Silva Pinto, que trocavam algumas “farpas” não somente através de seus artigos em jornais e revistas, mas também em seus livros, havia uma relativa paz entre os praticantes e ninguém se preocupava por demais com os ritos e doutrinas praticados neste ou naquele Terreiro.
Em geral não haviam grande Terreiro, com centenas de médiuns, sendo uma exceção à esta regra a Tenda do Caboclo Mirim na cidade do Rio de Janeiro.
Normalmente, as Casas de Culto eram familiares, contando com um pequeno espaço nos fundos da residência do responsável pelo local, com poucos médiuns, onde a caridade era feita de forma simples e desinteressada.
Era muito comum presenciarmos grupos inteiros de umbandistas levando à cabo seus preceitos nas cachoeiras, matas e encruzilhadas, sem temer nenhum tipo de repressão (isto após o Estado Novo e uma certa abertura do Regime Militar) ou discriminação por conta a da sua fé e de seus rituais.
Hoje, infelizmente, tudo mudou.
Se não precisamos mais nos preocupar com a repressão policial, mas com o avanço das igrejas neo-pentecostais que pregam a violência e o desrespeito à fé alheia, temos notícias de tempos em tempos, de Casas de Culto, assim como de Centros Espíritas, sendo invadidos e depredados por aqueles que se auto-intitulam “povo de Deus”.
Não há mais segurança para fazermos nossos rituais nos sítios sagrados, visto que corremos o risco de sermos atacados por estes verdadeiros BANDIDOS travestidos de religiosos, que não respeitam o direito das pessoas a pensarem e crerem de forma diferente da deles.
Em termos administrativos, existem centenas de federações, associações, conselhos e toda a sorte de ESPERTALHÕES que decidiram ganhar uns trocados criando tais organizações que, no frigir dos ovos, não fazem absolutamente nada, salvo honrosas e raras exceções, pela religião.
Do outro lado, temos conselhos que não cobram nada de seus associados, mas são usados como meio de propaganda por seus idealizadores, afim de criar uma ponte não somente para disseminação e imposição das idéias dos mesmos mas, principalmente, para alimentar o verdadeiro culto à personalidade do tal “babá”.
Hoje em dia, a Umbanda, apesar do discurso hipócrita que vemos por ai, de união, convergência, respeito à diversidade, está dividida em facções. Uns se bandearam para o lado do “Pai X”, incluso antigos desafetos e adeptos de cultos outrora identificados por ele como “coisa de kiumba”, enquanto outros cerraram fileira com o “Pai Y”, que defende com unhas e dentes seu mercado de livros, apostilas e cursos de final-de-semana.
Medite, seriamente, sobre isto.
Sou médium de Umbanda e acredito.
Mas não me mate esse coral na estrada
Se ela abandonou sua choupana caçador
No romper da madrugada.
Pedimos a coisa certa nas sessões mediúnicas?
Descera a noite totalmente, quando penetramos estreita sala, em que um círculo de pessoas se mantinha em oração.
Várias entidades se imiscuíam ali, em meio dos companheiros encarnados, mas em lamentáveis condições, de vez que pareciam inferiores aos homens e mulheres que se faziam componentes da reunião.
Apenas o irmão Cássio, um guardião simpático e amigo, de quem o Assistente nos aproximou, demonstrava superioridade moral.
Notava-se-lhe, de imediato, a solidão espiritual, porquanto desencarnados e encarnados da assembléia não lhe percebiam a presença e, decerto, não lhe acolhiam os pensamentos.
Ante as interpelações do nosso orientador, informou, algo desencantado:
- Por enquanto, nenhum progresso, não obstante os reiterados apelos à renovação. Temos sitiado o nosso Quintino com os melhores recursos ao nosso alcance, mobilizando livros, impressos e conversações de procedência respeitável, no entanto, tudo em vão...O teimoso amigo ainda não se precatou quanto às duras responsabilidades que assume, sustentando um agrupamento desta natureza...
Àulus buscou reconfortá-lo com um gesto silencioso de compreensão e convidou-nos a observar.
Revestia-se o recinto de fluidos desagradáveis e densos.
Dois médiuns davam passividade a companheiros do nosso plano, os quais, segundo minhas primeiras impressões, jaziam convertidos em criados autênticos do grupo, assalariados talvez para serviços menos edificantes. Entidades diversas, nas mesmas condições, enxameavam em torno deles, subservientes ou metediças.
O fenômenos da psicofonia era ali geral.
Os sensitivos desdobrados se mantinham no ambiente, alimentando-se das emanações que lhes eram peculiares.
Raimundo, um dos comunicantes, sob as vistas complacentes do diretor da casa, conversa com uma senhora, cuja palavra leviana inspirava piedade.
- Raimundo – dizia - ; tenho necessidade do dinheiro que há meses vem sendo acumulado no Instituto, do qual sou credora prejudicada. Que me diz você de semelhante demora?
- Espere, minha irmã – recomendava a entidade - , trabalharemos em seu benefício.
E a palestra continuava.
- A solução é urgente. Você deve ajudar-me com ação mais expedita. Tente uma volta pelo gabinete do diretor ranzinza e desencrave o processo... Você quer o endereço das pessoas que precisamos influenciar?
- Não, não. Conheço-as e sei onde moram...
- Vejo, Raimundo, que você anda distraído. Não se interessou por meu caso, com a presteza justa.
- Não é bem assim...Tenho feito o que posso.
E enquanto a matrona baixava o tom de voz, cochichando, um cavalheiro maduro dirigia-se a Teotônio, o outro comunicante da noite, clamando, indiscreto:
- Teotônio, até quando me cabe aguardar?
A entidade, que parecia embatucar-se com a pergunta, silenciou, humilde, mas o interlocutor alongou-se, exigente:
- Vai para quatro meses que espero pela decisão favorável referente ao emprego que me foi prometido. Entretanto, até hoje!...Você não conseguiria liquidar o problema?
- Que deseja que eu faça?
- Sei que o gerente da firma é do contra. Ajude-me, inclinando-o a simpatizar-se pela boa solução de meu caso.
Nisso, outra senhora ocupou a atenção de Raimundo, solicitando:
- Meu amigo, conto com o seu valioso concurso. Sou mãe. Não me conformo em ver minha filha aceitar a proposta de um homem desbriado, para casar-se. Nossa posição em casa é das mais alarmantes. Meu marido não suporta o homem que nos persegue, e a menina revoltada tem sido para nós um tormento. Você não poderá afastar esse abutre?
Raimundo respondeu, subserviente, enquanto Quintino tomava a palavra, logo em seguida, pedindo uma prece, em conjunto, a fim de que os desencarnados se fortalecessem para corresponder à confiança do grupo, prestando-lhe os serviços solicitados.
Entendimentos e conversas continuaram entre comunicantes e clientes da casa, todavia, não mais lhes dei atenção, considerando-lhes o obscuro aspecto.
Em aflitivas circunstâncias, vira obsidiados e entidades endurecidas no mal, através de tremendos conflitos; contudo, em nenhum lugar sentia tanta compaixão como ali, vendo pessoas sadias e lúcidas a interpretarem o intercâmbio com o mundo espiritual como um sistema de criminosa exploração, com alicerces no menor esforço.
Aqueles homens e mulheres que se congregavam no recinto, com intenções tão estranhas, teriam coragem de pedir a companheiros os serviços que reclamavam dos Espíritos? Não estariam ultrajando a oração e a mediunidade para fugir aos problemas que lhes diziam respeito? Não dispunham, acaso, de veneráveis conhecimentos para mobilizar o cérebro, a língua os olhos, os ouvidos, as mãos e os pés, no aprendizado enobrecedor? Que faziam da fé? Seria justo que um trabalhador relegasse a outros a enxada que lhe cabia suportar e mover na gleba do mundo?
Áulus registrou-me as reflexões amargas, porque, generoso, deu-se pressa em reconfortar-me:
- Um estudo atual de mediunidade, mesmo rápido quanto o nosso, não seria completo se não perquiríssemos a região do psiquismo transviado, onde Espíritos preguiçosos, encarnados e desencarnados, respiram em regime de vampirização recíproca. Aliás, constituem produto natural da ignorância viciosa em todos os templos da Humanidade. Abusam da oração tanto quanto menoscabam as possibilidades e oportunidades de trabalho digno, porquanto espreitam facilidades e vantagens efêmeras para se acomodarem com a indolência, em que se lhes cristalizam os caprichos infantis.
- Mas, prosseguirão assim, indefinidamente? – perguntei.
- André, sua dúvida está fora de propósito. Você possui bastante experiência para saber que a dor é o grande ministro da Justiça Divina. Vivemos a nossa grande batalha de evolução. Quem foge ao trabalho sacrificial da frente, encontra a dor pela retaguarda. O Espírito pode confiar-se à inação, mobilizando delituosamente a vontade, contudo, lá vem um dia a tormenta, compelindo-o a agitar-se e a mover-se para entender os impositivos do progresso com mais segurança. Não adianta fugir da eternidade, porque o tempo, benfeitor do trabalho, é também o verdugo da inércia.
Hilário, que refletia, silencioso, junto de nós, inquiriu preocupado:
- Por que se entregam nossos irmãos encarnados a semelhantes práticas de menor esforço? Há tantas lições de aprimoramento espiritual, há tantos apelos à dignificação da mediunidade, nas linhas doutrinárias do Espiritismo!...Por que o desequilíbrio?
Áulus pensou alguns instantes e redargüiu:
- Hilário, é imprescindível recordar que não nos achamos diante da Doutrina do Espiritismo. Presenciamos fenômenos mediúnicos, manobrados por mentes ociosas, afeiçoadas à exploração inferior por onde passam, dignas, por isso mesmo, de nossa piedade. E não ignoramos que fenômenos mediúnicos são peculiares a todos os santuários e a todas as criaturas. Quanto à preferência de nossos amigos pela convivência com os desencarnados ainda imensamente presos ao campo sensorial da vida física, incapazes ainda de mais ampla visão das realidades do Espírito, isso é compreensível na Terra. É sempre mais fácil ao homem comum trabalhar com subalternos ou iguais, porque, servir ao lado de superiores exige boa-vontade, disciplina, correção de proceder e firme desejo de melhorar-se. Sabemos que a morte não é milagre. Cada qual desperta, depois do túmulo, na posição espiritual que procurou para si...Ora, o homem vulgar sente-se mais à solta junto das entidades que lhe lisonjeiam as paixões, estimulando-lhe os apetites, de vez que todos somos constrangidos a educar-nos, na vizinhança de companheiros evolutivos, que já aprenderam a sublimar os próprios impulsos, consagrando-se à lavoura incessante do bem.
- Mas não será isso um abuso do homem encarnado? Não será crime parasitar os desencarnados de condição inferior? – indagou Hilário.
- Isso não padece dúvida – confirmou o instrutor.
- E esse delito ficará impune?
Áulus fixou leve expressão de bom humor e respondeu:
- Não se preocupem demasiado. Quando o erro procede da ignorância bem-intencionada, a Lei prevê recursos indispensáveis ao esclarecimento justo no espaço e no tempo, porquanto a genuína caridade, sob qualquer título, é sempre venerável. Entretanto, se o abuso é deliberado, não faltará corrigenda.
Vagueou o olhar sobre o diretor da assembléia e sobre os medianeiros que incorporavam os comunicantes e acrescentou:
- Teotônio e Raimundo, tanto quanto alguns outros desencarnados da posição deles, e que aqui se aglomeram, realmente são mais vampirizados que vampirizadores. Fascinados pelas requisições de Quintino e dos médiuns que lhe prestigiam a obra infeliz, seguem-lhes os passos, como aprendizes no encalço dos mentores aos quais se devotam. Na hipótese de não se reajustarem no bem, tão logo se desencarnem o dirigente deste grupo e os instrumentos medianímicos que lhe copiam as atitudes, serão eles surpreendidos pelas entidades que escravizaram, a lhes reclamarem orientação e socorro, e, mui provavelmente, mais tarde, no grande porvir, quando responsáveis e vítimas estiverem reunidos no instituto da consangüinidade terrestre, na condição de pais e filhos, acertando contas e recompondo atitudes alcançarão pleno equilíbrio nos débitos em que se emaranharam.
Ante a nossa admiração silenciosa, o Assistente concluiu:
- Cada serviço nobre recebe o salário que lhe diz respeito e cada aventura menos digna tem o preço que lhe corresponde.
Logo após, Áulus concitou-nos a partir.
O ambiente não encorajava maior estudo e já havíamos assimilado a lição que ali poderíamos receber.
Livro: “Nos Domínios da Mediunidade” Psicografia: Francisco Candido Xavier. Pelo espírito: André Luiz.
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ADOREI OS CONTOS DE SOBRE MARIA PADIHA E CORACORAL
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