terça-feira, 11 de outubro de 2011

À PROCURA DE UMA RESPOSTA




À procura de uma resposta ela já havia passado por vários lugares e, por isso, já havia pagado muito caro. Jovem e bonita não conseguiam entender por que seu coração estava sempre tão triste, a ponto de, mesmo sem perceber, suspirar constantemente como para expelir a tristeza que habitava seu peito. Invejava as amigas que conseguiam se apaixonar facilmente, namorar e viver as coisas normais da idade.

Com ela era diferente, pois nenhum rapaz conseguia despertar sua atenção, mesmo com todos os assédios.

Criada em uma família com princípios rígidos, sempre priorizando a moral, como que por castigo seu coração disparava justamente por alguém proibido. Já o conhecia há bastante tempo e sempre procurou fugir de seu olhar, mesmo sem saber o porquê. Porém bastou um esbarrão acidental na rua, tendo sido obrigada a ficar frente a frente com ele, sentindo o calor de suas mãos segurando-a para não cair, para que acontecesse o que temia. Naquele momento foi como se uma grande comporta se abrisse dentro dela, cujas águas invadiram com violência todo o seu ser, desmontando todas as barreiras existentes.

Ele, da mesma forma, enrubesceu e aproveitou para iniciar o diálogo tão esperado. Foi inevitável o primeiro telefonema, assim como todos os outros que se seguiram. Sentindo-se prostituída pelos sentimentos que tentava ocultar, não fugiu de um encontro que mais parecia um reencontro, mesmo dilacerada pelo remorso. Por que ele? Por que aquele sentimento incontrolável, tão bonito, mas tão perigoso? Sofria e era feliz ao mesmo tempo. Por vezes, buscava-o em pensamentos e chegava a sentir seu cheiro; outras vezes, expulsava-o de seu coração, impondo-lhe todos os defeitos possíveis, que em seguida se diluíam, ficando somente a lembrança de seu sorriso. Devia ser praga ma madrinha uma coisa dessas.

Já vinha freqüentando aquele centro de Umbanda fazia bastante tempo, pois sentia seriedade naquelas pessoas de quem recebia um passe reconfortante. Nada perguntava, por vergonha de contar a sua historia. Como gostaria que aquela preta velha tão amorosa pudesse adivinhar o que tinha no coração e na cabeça para responder às suas indagações; queria tanto que lhe desse uma luz! Esperando pela vez do atendimento, cerrou os olhos e orou aos sagrados Orixás para que pudessem ajudá-la a tirar aquele sentimento do coração.

Quando se ajoelhou em frente à preta velha, entregando suas mãos entre as dela, sentiu que o coração disparava, e a vontade de chorar ficou mais forte.

- Isso, si fia, faz o chorado, limpa o batedor.

“Lá no cruzeiro das almas…
Eu vi preto velho rezar
Mas era ele, preto velho de Umbanda
Veio de longe pra rezar seu patuá…”


- Zi fia ta agoniada demais.
- Estou desesperada, minha mãe. Onde estão as respostas que procuro?
- Eh, eh, nega veia vai contar uma história. Zi fia presta atenção:

“Num país distante daqui existia uma linda moça, de beleza estonteante, cujos olhos verdes enfeitavam ainda mais seu rosto moreno e delicado. Os longos cabelos negros lhe caíam além dos ombros, destacando sua figura frágil e delicada. Era a “moça” mais requisitada naquele cabaré, mas também a mais protegida pela cafetina, que a usava como isca para atrair fregueses, que, logo depois, eram encaminhados às outras mulheres. Muitos deles enlouqueciam, apaixonando-se ardentemente. Viajantes que por ali passavam logo voltavam, tentando levar consigo aquela pérola, oferecendo grandes quantias, todas rejeitadas. Aquela moça parecia isenta de sentimentos. Como não tinha mais família, ali se acomodou, divertindo-se com os constantes assédios. Até o dia em que, durante uma dança, seu olhar buscou a porta da casa como se tivesse sido chamada. Lá estava aquele homem muito elegante, de olhos e cabelos amendoados, cujo olhar penetrou direto em seu coração, fazendo-a estremecer. Naquele mesmo dia, enlouquecidos um pelo outro como se já esperassem por aquilo, fugiram daquele lugar. Não era apenas o encanto de uma paixão. Seus corações já se conheciam e se buscavam. Mesmo escondido, viveram dias de encanto e felicidade, esquecendo-se do mundo, pois descobriram que se bastavam. Tudo transcorria tranquilamente até que um acidente com uma carroça no despenhadeiro tirou a vida da moça. Enlouquecido, ele a chamava dia e noite, não aceitando que a morte tivesse levado a vida que a pouco encontrara naquele amor tão bonito. Do outro lado o quadro não era diferente. Sentindo-se viva, ela tentava consolá-lo a todo custo, sem sucesso. Foram meses de tormento, e, quando ele estava sentindo que enlouqueceria, fraco e deprimido, buscou, perto dali, no meio da mata, um xamã que se dizia curador e feiticeiro. Ele já o esperava, apos seus rituais, deu-lhe uma beberagem para que se acalmasse e adormecesse um pouco, enquanto chamava o espírito da moça que estava com ele, em total desequilíbrio. Fazendo-a perceber seu real estado fora da matéria, mostrou-lhe a luz, entregando seu espírito aos seus amigos protetores. Embora remitente em desapegar-se do homem amado, consentiu após promessa de que haveriam de encontrar-se novamente, em tantas outras vidas, pois aquele amor era de almas, e o tempo não apagaria o sentimento. Assim está sendo e assim será ainda por muitas vidas.

Apenas esbarrões, relembrando que a promessa se cumpre e que continuam perto um do outro. Talvez muito pouco ainda para que suas almas possam matar a sede, mas até que possam se cumprir tarefas atrasadas, os corpos estão impedidos de se unir. Naquele tempo ele abandonou família para fugir com a moça, que, embriagada por tanta felicidade, ignorou que outra mulher e filhos pequenos padeciam a falta, respectivamente, do marido e pai. Hoje, ele termina de cumprir a tarefa abandonada, e a filha precisa amargar a dor de não poder tê-lo, embora tenha o livre-arbítrio para escolher novamente desfazer um lar, priorizando sua felicidade. Porém, preta velha aconselha:

“Dívida repetida tem juros dobrados”. O que é uma encarnação diante a eternidade? Um piscar de olhos para Deus. Guarde este amor e faça ele bonito. Por que temos que aprisionar ou ter entre os dedos tudo o que amamos? Deixa o aprendizado gravar o que é necessário em seu espírito para que na hora em que a fruta estiver madura possa ser colhida inteira e saudável. Não queira arrancar de seu peito o que nele foi gravado pelo Criador. Apenas aprenda a cuidar disso com zelo, com a maestria que só possuem aqueles que realmente amam. Siga, filha, siga o seu caminha e canalize esse sentimento a tantos outros que, por nunca tê-lo conhecido, tornaram-se amargos e prisioneiros de rancores. Não se condene mais por carregar algo tão valioso consigo, apenas aquiete-se e compreenda.”

Secando as lágrimas e de coração aliviado, ela rezou com a bondosa preta velha, pedindo proteção ao homem amado, para que ele pudesse cumprir, dessa vez, seu compromisso.

Olhares inevitáveis ainda se cruzavam e aceleravam seu coração, mas agora não traziam mais a angustia costumeira. Havia um fio de esperança num futuro que a Deus pertencia e que ela tinha certeza de existir, mesmo que fosse além dessa vida.

Retirado do Livro Causos de Umbanda – A psicologia dos Pretos velhos

Leni W. Saviscki

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