E é sob tantas influências, histórias e vidas que encontramos uma personagem que, caso ainda estivesse nesse plano, estaria completando hoje 117 anos. Falo de Maria Escolástica da Conceição Nazareth, a querida MÃE MENININHA DO GANTOIS, que liderou seu terreiro por 64 anos até seu desencarne aos 92 anos.
Mãe Menininha do Gantois dedicou totalmente sua vida ao candomblé, nasceu “abençoada” para manter acesa a crença de seus antepassados que vieram da África, levou o nome do Candomblé e de seu terreiro – Ilê Iya Omin Axé Iya Massé, que em ioruba significa “Casa da Mãe das Águas” e que ficou conhecido como Gantois – à terras improváveis, à cabeças incrédulas, à fama, ao tombamento do terreiro, mas nem por isso revelou qualquer fundamento de sua religião, nem por isso lamentou ou se locupletou através da fé alheia ou de sua própria crença.
Foi iniciada aos oito meses e iniciou sua primeira filha aos dois anos de idade raspando a cabeça de uma mulher de mais de 30 anos. Com cinco ou oito anos participava ativamente dos rituais de iniciação, muitas vezes até altas horas da noite. E afirmava: “Minha avó, minha tia e os chefes da casa diziam que eu tinha que servir. Eu não podia dizer não, mas tinha um medo horroroso da missão. Era uma consciência absoluta do que me esperava: passar a vida inteira ouvindo relatos de aflições, doenças e lástimas e ter que ficar calada, guardar tudo para mim, procurar a meditação dos encantados para acabar com o sofrimento. Tudo exige abnegação.”
Waldemir Rego, estudioso da cultura afro-baiana, frequentador do Gantois, afirmou que: “Menininha era dona do maior acervo de conhecimento litúrgicos do ritual afro do país” e destacou “ela tornou-se um verdadeiro patrimônio pela devoção aos seus deveres de sacerdotisa, tendo conseguido manter a sua casa de candomblé dentro da maior pureza possível, sem se deixar tragar pela sociedade de consumo”.
Ela foi tão ilustre que as palavras canzuá e ganzuá, que muitas vezes são mencionadas pelos queridos guias espirituais de nossa Umbanda, é uma corruptela de Gantois.
Seu prestígio não se restringiu somente ao sagrado, influenciou importantes intelectuais e pesquisadores, aliás alguns deles se encantaram tanto com a religião e com o carinho de Mãe Menininha que assumiram algumas responsabilidades religiosas como foi o caso de Nina Rodrigues (médico legista, psiquiatra, professor e antropólogo), de Manuel Querino (intelectual, fundador do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e da Escola de Belas Artes, escritor), de Estácio de Lima (médico legista), de Arthur Ramos (médico e antropólogo), de Nestor Duarte (professor da Faculdade de Direito), de Hozannah Oliveira (professor da Faculdade de Medicina da Bahia) e muitos outros que tornaram-se ogãs do Gantois.
Muitos políticos e artistas também não resistiram a todo esse encanto e, antes de qualquer atitude mais expressiva em suas carreiras, iam pedir a benção e os conselhos dessa sábia Mãe.
Jorge Amado afirmava: “Na Bahia existe uma mulher que não possuindo nada, não sendo rica, não tendo nenhum posto, não mandando na política, não sendo cardeal, não sendo revestida de nenhum desses falsos poderes, detém um poder real que provém do povo, provém dela ser uma expressão, provavelmente, hoje, a maior do povo baiano”.
Marlene França, atriz e filha da casa desde 1973, por diversas ocasiões testemunhou a acolhida de Mãe Menininha aos mais necessitados quando mandava: “prepare um banho, bote uma esteira para ele dormir, dê-lhe um prato de comida…”. Marlene garante: “vi pessoas com sérios problemas de drogas ou álcool chegar ao Gantois trazidas pela família e depois de um tempo no terreiro se reequilibrarem, vi muitas coisas boas acontecer nas mãos de minha mãe.”
Maria Bethânia foi levada à mãe Menininha pelas mãos de Vinicius de Moraes e apaixonou-se imediatamente: “ela me recebeu com aquela lindeza. Quando Vinicius entrou, mandou buscar uma cadeira para ele sentar. E, para mim, apontou o chão e me mandou sentar ali. Que maravilhosa! Não me lembro nada mais suave do que ela, só mesmo a expressão de Nossa Senhora”, afirma.
Caetano Veloso definiu-a como “a figura mais importante da religião ioruba no Brasil e, em razão disso, uma das figuras mais importantes na formação da cultura brasileira. Um dos maiores ensinamentos dela foi a superação do medo”.
Dorival Caymmi, que por amor a ela fez a música “Oração de Mãe Menininha”, foi somente mais um entre tantos e tantos outros que se beneficiaram desse presente de Olorum a nós que foi Mãe Menininha.
Um exemplo de mulher, de atitude, de determinação, de amor aos Orixás e principalmente submissão à missão.
Foi uma mulher simples que abraçou de tal maneira a sua fé que acreditava com fervor no poder nascido de seu pacto com os deuses da natureza, da bondade e da justiça. Ela se alimentava dos Orixás, ela vivia os Orixás, ela falava, cantava e dançava com orgulho aos Orixás.
Seu universo era próprio e sua função, obrigação e missão eram claras como as águas de Oxum.
E afirmava:
Que essas poucas palavras sirvam de INSPIRAÇÃO para fazermos uma Umbanda Melhor.
Que essa bela canção interpretada por Maria Bethânia, Caetano Veloso e Dona Canô, e toda sua expressão, seus gestos, movimentos e olhares nos ENCANTEM de tal forma que faça nosso olhar se modificar.
E que atitudes como a de Mãe Menininha nos sirvam de EXEMPLO ‘De Vida’, ‘De Verdade’ e ‘De Obra por Amor e Fé’.
Saravá a todos e muito Axé no coração.
Base de pesquisa e trechos retirados do livro:
Mãe Menininha do Gantois – Uma Biografia
de Cida Nóbrega e Regina Echeverria
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