domingo, 23 de maio de 2010

Iansã

Desde que conheci Sophia de Mello Breyner Andresen, mergulho todos os dias neste mar encantado de que ela fala.

 
Os versos e a voz de Maria Betânia cantando as "senhoras" divinas, Nanã, Oxum, Iemanjá, têm me feito companhia de manhãzinha, são eles que me acordam...

 
O CD "Mar de Sophia", homenagem à poetisa, é belíssimo. Você com certeza vai gostar também. Mas preste atenção quando a cantora invoca Iansã...

 
"Vamos chamar o vento", Dorival Caymmi sussurra com a voz de Betânia, "Vamos chamar o vento"...

 
Depois, empresta a voz para Sophia, poeta do mar cantar um ser fabuloso: a Procelária.

 
"É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firma e certa como bala.
As suas asas empresta à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente
Ela não busca a rocha, o cabo, o cais
Mas faz da insegurança sua força
E do risco de morrer seu alimento
Por isso me parece imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo".


 
Uma ave, uma mulher, ou todas as mulheres que vivem e cantam no mau tempo.

 

A história de Iansã Oiá, literalmente, "aquela que rasga", e que eu reconto aqui é para elas:

 
Iansã Oiá tinha um pai adotivo e vivia com ele na mata.

 

Ele era o maior de todos os caçadores.

 

Um dia, morreu e deixou Oiá muito triste.

 
Ela decidiu que queria fazer uma homenagem para o pai.

 
Embrulhou seus pertences de caça num pano, preparou suas iguarias favoritas.

 
E dançou e cantou por sete dias, espalhando seu vento por toda parte e fazendo vir todos os caçadores da terra.

 
Na sétima noite, embrenhou-se na mata e depositou ao pé de uma árvore sagrada os pertences de seu pai.

 
Olorum, que sempre vê tudo, ficou comovido.

 
Fez da jovem Iansã guia dos mortos no caminho sagrado, Orum Aiê e mãe dos espaços dos espíritos.

 
Fez de seu pai, Odulecê, um orixá.

 
E do gesto de Oiá, o ritual ao qual todos os mortos têm direito: comidas, cantos, danças e um espaço sagrado...



Iansã teve muitos homens e de cada um ganhou uma coisa importante:

 
De Ogum, o ferreiro divino, ganhou nove filhos e o direito de usar a espada para defender-se e defender os outros;

 
De Oxaguiã, o jovem construtor, ganhou um escudo para proteger-se dos inimigos;

 
De Exu, o mensageiro, ganhou o direito de usar a magia e o poder do fogo para realizar desejos;

 
De Oxóssi, o caçador, ganhou o saber da caça para alimentar seus filhos;

 
De Logun Edé, o senhor das matas, ganhou o direito de tirar das cachoeiras os frutos d' água para seus filhos;

 
Com Xangô, o juiz, viveu o resto da vida e ganhou dele o poder do encantamento, o posto da justiça e o domínio dos raios.

 
Um dia, houve uma festa, todos os orixás estavam presentes.

 
Omulu-Obaluaê, o temido orixá das doenças, chegou vestido de palha. Ninguém o reconheceu e nenhuma mulher quis dançar com ele.

 
Mas eis que, de repente, Oiá-Iansã entra na roda e atrave-se a dançar com o Senhor da Terra.

 
E tanto girava que levantou o vento, e o vento descobriu a palha de Omulu.

 
Todos puderam ver o quanto ele era belo.

 
E o reverenciaram.

 
Ele ficou tão grato que fez de Oiá a rainha dos espíritos dos mortos, Oiá Igbalé, a condutora dos eguns, os espíritos dos mortos).

 
E ela dançou de alegria a sua dança que convoca o vento.


 

As filhas de Iansã devem ser assim, apaixonadas, amantes dos temporais, amazonas de ventanias...

Adília Belotti

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