terça-feira, 6 de abril de 2010
VOVÔ MARIA ROSA
Vovó Maria Rosa fumegava seu pito e batia   seu pé ao som da curimba enquanto observava o terreiro, onde os cambonos   movimentavam-se atendendo aos pretos velhos e aos consulentes.
Mandingueira, acostumada a enfrentar   de tudo um pouco nos trabalhos de magia, sabia perfeitamente como o mal  agia  tentando disseminar o esforço do bem.
Sob variadas formas, as trevas  vagavam  por ali também. 
Alguns em busca de socorro; outros,  mal-intencionados, debochavam dos trabalhadores da luz. Muitos chegavam  grudados  no corpo das pessoas, qual parasitas sugando sua vitalidade.
Outros, por sobre seus ombros,  arqueando e causando dores nos hospedeiros, ou amarrados nos tornozelos,   arrastavam-se com gemidos de dor. Fora os tantos que eram barrados pela  guarda  do local, ainda na porta do terreiro e que, lá de fora, esbravejavam  palavrões.
Da mesma forma, o movimento dos exus  e  outros falangeiros se fazia intenso no lado astral do ambiente, para  que, dentro  do merecimento de cada espírito, pudessem ser encaminhados.
Uma senhora com ares de madame se  aproximou da  preta velha para receber atendimento. Vinha arrastando uma perna que  mantinha  enfaixada.
– Saravá, filha – falou Vovó Maria Rosa,  enquanto desinfetava o campo magnético da mulher com um galho verde,  além de  soprar a fumaça do palheiro em direção ao seu abdome, o que fez com que a  mulher  demonstrasse nojo em sua fisionomia.
Fingindo ignorar, a preta velha,  cantarolando, continuou a sua limpeza. Riscando um ponto com sua pemba  no chão  do terreiro, pediu que a mulher colocasse sobre ele a perna ferida.
“Será que não vai pedir o que  tenho?”,  pensou a mulher, já arrependida por estar ali naquele lugar  desagradável. “Vou  sair daqui impregnada por estes cheiros!”
Vovó Maria Rosa sorriu, pois captara o  pensamento da mulher, mas preferiu ignorar tudo isso. O que a mulher não  sabia  era a gravidade real do seu caso, ou seja, aquilo que não aparecia no  físico. Se  ela pudesse ver o que estava causando a dor e o inchaço na perna, aí  sim,  certamente ficaria muito enojada. Na contraparte energética, abundavam  larvas  que se abasteciam da vitalidade do que já era uma enorme ferida e que  breve  irromperia também no físico.
Além disso, uma entidade espiritual,   em quase total deformação, mantinha-se algemada à sua perna, nutrindo,  assim,  essas larvas astrais. Para qualquer neófito, aquilo mais parecia um  cadáver  retirado da tumba mortal, inclusive pelo mau cheiro que exalava.
Com a destreza de um mago, a preta  velha sabia como desvincular e transmutar toda essa parafernália de  energias  densas, libertando e socorrendo a entidade escravizada a ela.
Feitos os devidos “curativos” no  corpo  energético da mulher, Vovó Maria, que à visão dos encarnados não fez  mais que um  benzimento com ervas e algumas baforadas de palheiro, dirigiu-se agora  com voz  firme à consulente:
– Preta Velha até aqui ouviu calada o   que a filha pensou a respeito do seu trabalho. Agora preciso abrir  minhas  tramelas e puxar sua orelha.
Ouvindo isso, a mulher afastou-se um   pouco da entidade, assustada com a possibilidade de que ela viesse mesmo  a lhe  puxar a orelha.
“Escutou o que pensei? Ah, essa é  boa.  Ela está blefando comigo.”, pensou novamente a mulher.
– Se a madame não acredita em nosso  trabalho, por que veio aqui buscar ajuda? Filha, não estamos aqui  enganando  ninguém. Procuramos fazer o que é possível, dentro do merecimento de  cada um.
– É que me recomendaram vir me  benzer,  mas eu não gosto muito dessas coisas...
– ...e só veio porque está  desesperada  de dor e a medicina não lhe deu alento, não foi filha? – complementou a  preta  velha.
– Os médicos querem drenar a perna e   eu fiquei com medo, pois nos exames não aparece nada, mas a dor estava  insuportável.
– Estava? Por quê, a dor já acalmou?
– É, agora acalmou, parece que minha   perna está amortecida.
– E está mesmo, eu fiz um curativo.
A mulher, olhando a perna e não  vendo  curativo nenhum, já estava pronta para emitir um pensamento de  desconfiança  quando a preta velha interferiu:
– Vá para sua casa, filha, e amanhã  bem cedo colha uma rosa do seu jardim, ainda com orvalho, e lave a sua  perna com  ela, na água corrente. Ao meio-dia o inchaço vai sumir e sua perna  estará  curada.
Não ousando mais desconfiar, ela  agradeceu e já estava saindo quando a preta velha a chamou e disse:
– Não se esqueça de pagar a promessa   que fez pra Sinhá Maria, antes dela morrer...
Arregalando os olhos, a mulher quase   enfartou e tratou de sair daquele lugar imediatamente.
O cambono, que a tudo assistia  calado,  não agüentando a curiosidade perguntou que promessa foi essa.
– Meu menino, o que nós escondemos  dos  homens fica gravado no mundo dos espíritos. Essa filha, herdeira de um  carma  bastante pesado por ter sido dona de escravos em vida passada e,  principalmente,  por tê-los ferido a ferro e fogo, imprimindo sua marca na panturrilha  dos  negros, recebeu nesta encarnação, como sua fiel cozinheira, uma negra  chamada  Sinhá Maria.
Esse espírito mantinha laços de  carinho profundo pela madame desde o tempo da escravidão, quando foi sua  “Bá” e,  por isso, única poupada de suas maldades. Nessa encarnação, juntaram-se  novamente no intuito de que a bondosa negra pudesse despertar na mulher  um pouco  de humildade, para que esta tivesse a oportunidade de ressarcir os  débitos,  diante da necessidade que surgiria de auxiliar alguém envolvido na trama  cármica.
Sinhá Maria, acometida de  deficiência  respiratória, antes de desencarnar solicitou à sua patroa que, na sua  falta,  assistisse seu esposo, que era paraplégico, faltando-lhe as duas pernas.
Deixou para isso todas as suas  economias de anos a fio de trabalho e só lhe pediu que mantivesse com  isso a  alimentação e os medicamentos. Mas na primeira vez que ela foi até a  favela onde  morava o homem, desistiu da ajuda, pois aquele não era o seu “palco”.  Tratou  logo de ajustar uma vizinha do barraco, dando-lhe todo o dinheiro que  Sinhá  havia deixado, com a promessa de cuidar do pobre homem. Não é preciso  dizer que  rumo tomaram as economias da pobre negra; em pouco tempo, para evitar  que ele  morresse à míngua, a Assistência Social o internou em asilo público. Lá  ele  aguarda sua amada para buscá-lo, tirando-o do sofrimento do corpo  físico.  Nenhuma visita, nenhum cuidado especial. A madame se havia “esquecido”  da  promessa. Eu só fiz lembrá-la para que não tenha que voltar aqui com as  duas  pernas inválidas. A Lei só nos cobra o que é de direito, mas ela é  infalível.  Quanto mais atrasamos o pagamento de nossas dívidas, maiores elas ficam.  Por  isso, camboninho, negra velha sempre diz para os filhos que a caridade é  moeda  valiosa que todos possuímos, mas que poucos de nós usam. Se não  acordamos  sozinhos, na hora exata a vida liga o “desperta-dor” e, às vezes,  acordamos  assustados com a barulheira que ele faz... eh, eh, eh... Entendeu, meu  menino?
– Sim, minha mãe. Lembrei que tenho  de  visitar meu avô que está no asilo...
Sorrindo e balançando a cabeça a  bondosa preta velha falou com seus botões:
– Nega véia matô dois coelhos com  uma  cajadada só... eh, eh...
E, batendo o pé no chão, fumando seu   pito e cantarolando, prosseguiu ela, socorrendo e curando até que, junto  aos  demais, voltou para as bandas de Aruanda.
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tenho muito a agradecer a esta preta velha por tudo que ela tem feito e ainda faz por mim.Tenho certeza disso. Que Deus a ilumine cada vez mais.
ResponderExcluireu conheci esta preta velha no meu terreiro e sem lhe pedir nada ofertei-lhe um cachimbo , ontempela primeira vez lhe fiz um pedido e ela entregou-me um cruchifixo que ficara comigo ate a proxima 2 feira que entregarei a coboclo desta irma que receb esta vovo e fico no aguardo do que lhe pedi
ResponderExcluiro que lhe pedi consegui,so falta este novo pedido
ResponderExcluirque espero tambem conseguir
a essa preta velha agradeço esta viva pois foi ela me sustentou na barriga da minha mae e me protege ate hoje obg vovó por sua infinita bondade
ResponderExcluira vovó. ainda não consultei com a senhora, mas lhe agradeço desde já pela defesa espiritual que emana há todos nós umbandista e não unbandistas.GLACI O5/07/2012
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